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And with strange eons, even Death may die.

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Mensagem por Dr. Faust West Sex maio 26, 2017 12:59 pm

- “A live body and a dead body contain the same number of particles. Structurally, there's no discernible difference. Life and death are unquantifiable abstracts.”


Eu me lembro de ler essa frase como se fosse ontem, sentado na minha cama. Era a minha primeira semana na faculdade de medicina de Harvard. Eu tinha dezesseis anos, planos que só não eram maiores do que minha completa e total inaptidão social, e acreditava que o mundo existia para me servir. Na época, eu concordei. A lógica era perfeita, no fim das contas, e a escrita de Alan Moore aliada a minha identificação pessoal com o Dr. Manhattan me tornava um pouco suscetível a este tipo de narrativa.


Logicamente, como é natural quando você tem dezesseis anos – mesmo quando você é um gênio - eu estava errado. Mas, eu me adianto. Essa parte da história vem depois. O que vem primeiro, é Eliza. Eliza sempre veio primeiro.


Nós nos conhecemos numa tarde de sol, nos jardins da faculdade. Eu estava desenhando rabiscos e modelos anatômicos – sempre gostei de tentar acertar todos os ossos – e ela se aproximou. Pediu para ver meus desenhos e, naquele instante, minha vida mudou. Olhar para ela era como olhar para um anjo: seu rosto, a perfeição da mão do Criador, a prova cabal e inalienável de que havia algum imperativo racional por trás do Universo, pois nada tão bonito poderia existir por mero acaso. Eu poderia ter morrido ali, sentado entre as raízes daquela árvore, vermelho como um pimentão, e o teria feito de bom grado. O único dia que fui mais feliz do que o dia em que conheci Eliza, foi o dia de nosso casamento.


Eliza Hawthorne era tão americana quanto americanos podem ser. Vinha de uma família de classe média, nascida no seio de Nova Iorque, e estava em Harvard estudando artes – pintura e teatro, especificamente… Mas sempre me pareceu triste que ela houvesse precisado escolher. Ela podia fazer tudo. Pintar, desenhar, cantar, interpretar. Eliza tinha em si mesma mais vida do que eu poderia ter um dia sonhado em ter, e meus dias vão se passar mil vezes antes que eu seja capaz de entender por quê ela decidiu dividir-se comigo. O tempo passou tão rápido que nós mal pudemos perceber que ele passava, e assim que fiz dezoito anos, nós nos casamos – meus pais não queriam, mas bastou que conhecessem Eliza para que mudassem de idéia... nunca conheci alguém que fosse capaz de pensar algo de ruim sobre ela depois de cinco minutos ao seu lado, tamanho era seu encanto.


Aos dezoito, eu já havia recebido meu diploma e fazia residência e trabalhava – isto, aliado ao meu trust-fund, era mais do que o suficiente para que vivessemos de forma confortável enquanto eu decidia o que perseguir no mestrado, considerando que já era especializado em infectologia. Estes foram os anos dourados – cada dia passava como se caminhassemos entre as nuvens. Haviam dias em que eu mal conseguia produzir em meus estudos: observá-la na varanda, pintando, era mais interessante e mais mágiko do que qualquer enciclopédia médica poderia ser um dia.


Até que a nuvem dourada de alegria se foi. Eu estava rindo, exigindo que ela parasse de tentar me desenhar enquanto eu olhava células no microscópio. A casa estava iluminada, e era verão. Eu me lembro do cheiro de formol das amostras em minha mesa misturado ao cheiro de baunilha da pele de Eliza. Eu me lembro dela dizendo que se eu não saísse do laboratório, eu ia começar a criar mofo nas dobras da orelha. Me lembro de levantar, e começar a correr atrás dela pela casa. Me lembro de Eliza caindo no chão, sozinha, metros antes de eu sequer estar perto o suficiente para segurá-la, e me lembro de como me senti inútil e indefeso quando ela começou a convulcionar. Um diploma de medicina conquistado em dois anos, um mestrado e dois PhD completos aos vinte e cinco, e lá estava minha esposa, convulcionando, e eu me sentia tão indefeso quanto uma criança assistindo aos pais serem atropelados.


Seis meses depois, ela estava morta. Glioblastoma multiforme, um dos tumores mais rápidos e mais agressivos que ocorrem no cérebro, e este resolveu ocorrer no cérebro de minha Eliza. Você pode imaginar como eu fiquei, mas eu não pretendo me estender. Basta dizer que nos dias que seguiram à morte de Eliza, era como se alguém houvesse subitamente arrancado o chão dos meus pés, e eu estivesse em queda livre. Eu me recusei a identificar seu corpo, na burocracia. Eles precisaram de cinco pessoas para me fazer soltar sua mão, e uma dose cavalar de alguma coisa para me apagar.


[…] Quando a escrita retorna às folhas amareladas, o leitor pode perceber claramente que houve um bom tempo entre o último parágrafo, escrito em letras trêmulas, e o próximo. A caneta é diferente, a força desta contra a folha, também. […]


Lembro-me de ter lido, em algum momento, em algum lugar, que nós apenas estamos vivos em relação aos outros. O autor, quem quer que tenha sido, argumentava que é impossível ao homem estar vivo em isolamento, visto que só pode ter certeza de sua existência em relação a presença do outro, da mesma forma que nações ao redor do globo apenas podem construir uma identidade própria em relação a figura do “outro” que não compartilha desta.


Eu acredito que do momento em que nasci até agora, o único período no qual eu fui realmente vivo, no qual realmente experimentei a glória de uma simples respiração, foram meus anos ao lado de Eliza. Veja, eu sempre fui uma criança um pouco mórbida. Eu sempre gostei de ler livros de terror enquanto meus colegas liam sobre as aventuras de Frodo e seu anel. Eu semprei fui a criança que voltava para casa com algum bicho morto que encontrou na rua e convencia os pais a colocá-lo num pote com formol. Acredito que tenha sido por isso que escolhi a medicina, e o campo da medicina que acabei por escolher: eu sempre me senti muito mais confortável perto dos mortos do que dos vivos.


Eliza, é claro, era a exceção. Eu bem disse: ela tinha mais vida em si do que eu jamais poderia ter tido, e o que tinha ela dividia comigo, e sua vida me preenchia e exultava por cada um de meus poros. Existir ao seu lado foi o maior privilégio e a maior realização que tive em minha vida. Quando ela se foi, foi-se com ela a vida que dividiamos, a única que eu havia conhecido. Talvez eu tenha morrido, também. Não tenho certeza. As vezes, nas longas noites em que dividimos, em silêncio, a companhia dos livros, eu a observo, plácida e eterna, flutuando no mesmo lugar, e me pergunto exatamente o que nos separa…


Mas eu fujo do tópico. Retornando. Tudo que eu era, era Eliza. Tudo que eu poderia ser era em condição de ser seu. A forma como eu compreendia o mundo e a mim mesmo dependia de sua existência – e quando ela se foi, todas as estruturas que sustentavam o mundo se foram também. Acredito que tenha sido assim que acabei por Despertar – quando tudo o que eu conhecia se foi, eu finalmente estava pronto para conhecer as coisas de novo. Para conhecê-las de verdade. Ou além da verdade, talvez.


Então, lá estava eu. Uma casca humana, seca, preenchida por nada além de uma obsessão pulgente em trazê-la de volta, em trazer Eliza, em rever Eliza, em tê-la de novo. E em minha mente, sempre que eu fechava os olhos, sua sombra me instigava para frente. Ela sussurrava em meus sonhos, me pedindo, me urgindo para encontrá-la, para buscá-la. Ela estava me esperando. E eu, vazio de moral, de certo ou errado, de virtude ou de qualquer coisa que não fosse um desejo absurdo de tê-la de novo, fui em sua direção.


Foram meses viajando. Onde haviam sussurros de alguém que podia falar com os mortos, eu passava. India, Paquistão, África. Eu fui em todos. Alguns me aproximaram de coisas próximas da verdade. Outros me levaram para mais longe. Outros tomaram meu dinheiro, outros meu tempo. Eu não me importava. Eu não dormia, eu não comia. Eu só precisava descobrir como trazê-la de volta. Como trazer minha Eliza de volta para mim.


Eu estava na Alemanha, quando os Nephandi me acharam. Foram o primeiro grupo organizado que trabalhava com magika que me abordou. E eu não vou negar: eu estava disposto a ir com eles. Eu estava disposto a fazer qualquer coisa, a sacrificar qualquer coisa, se significasse ter Eliza de novo em meus braços. Passei cerca de duas semanas com eles – o suficiente para entender um pouco melhor o que havia acontecido comigo, o despertar… E depois, fugi. Não por algum grande impedimento moral, em toda honestidade, mas porquê a figura de Eliza, tão presente em meus sonhos, me advertiu e pediu. Nunca fui capaz de negá-la. Nunca serei.


Em algum momento nesses meses, meus pais morreram. Um acidente de carro, um assalto… Eu não sei. Não parei para me informar. Coisas mais importantes para ler, coisas mais importantes para pesqusiar, coisas mais importantes para compreender. Eles morreram, e toda a fortuna da família veio para mim. Mas eu ainda não havia voltado para casa. A única coisa que pôde me fazer voltar foi quando eu recebi uma ligação de um contato no hospital, me dizendo que ele não conseguia mais segurar o corpo de Eliza ali – que a família dela estava processando o hospital, e que não importava o quanto eu o pagasse, ele iria devolver o corpo.


No dia seguinte, eu estava na cidade.


No outro, eu estava fugindo com todo o dinheiro que havia conseguido sacar, um trailer cheio de livros, pílulas de cafeína e o corpo de minha esposa.


[…]


Mas isso já faz alguns anos. As coisas mudaram um pouco, desde então. Eu não estou mais em queda livre – agora, estou numa descida perfeitamente calculada por uma escadaria úmida, esculpida em pedra, nas paredes escorregadias de um poço sem fundor. Eu me adaptei. Passei por algumas cidades, conheci muitas pessoas, tive muitos nomes – e seria desonesto dizer que não devo muito aos Eutanatos, apesar de considerar que a compreensão deles sobre a Morte é, no mínimo, limitada por suas visões religiosas sobre o assunto.


Eu me mantenho financeiramente trabalhando como legista e através de uma série de contatos que fiz com a máfia italo-americana. Eu não sou Italiano e nem tenho ascendência alguma no lugar, mas isso dificilmente importa quando você está disposto a tratar feridas sem fazer perguntas. Quando eles precisam que um corpo suma, eles o dão para o mim. Eu sou a discrição em pessoa e, depois de anos, nossa relação é sólida o bastante para que uma troca contínua de favores e amizade tenha se constituído.


No mundo Magiko, fui aceito pela Sociedade do Éter. Ou melhor: eu aceitei a Sociedade do Éter. Não me preocupo em parecer arrogante ao colocar as coisas assim, porquê foi exatamente o que aconteceu: os Nephandi me queriam, os Euthanatos me queriam… Posso dizer com algum grau de certeza que os Progenitores tentaram me contatar… E, também, a Sociedade. Os últimos pareciam ser os que me ofereciam o maior leque de ferramentas com o menor número de demandas, e a sombra de Eliza não se manifestou contra seus ideais. Logo, aqui estou. Um “Eterita”, ou algo assim. Mudei-me para Portland por culpa deles. Aparentemente, há alguém nessa cidade capaz de me ajudar em meus estudos e minha missão.


Você provavelmente quer saber sobre a “sombra de Eliza” a que eu me referi antes. Trata-se do meu Avatar. Minha compreensão da questão é bastante objetiva, ainda que bastante complexa, e tentarei explicar da forma mais leiga o possível: ainda que as pesquisas atuais acerca da exatidão da natureza do Avatar estejam cada vez mais próximas de desvendar algo sólido, nós ainda não temos essa informação. Provavelmente porquê a grande parte dos encarregados da pesquisa sejam imbecis que se recusam a aceitar o espectro místico da existência como tão científico e quantificável quanto qualquer outro, mas isto são outros quinhentos. O ponto é que, ao que percebo, independentemente do que seja realmente o Avatar de um mago, ele invariavelmente está conectado a uma expressão conceitual-filosófica de sua própria magika. Minha magika é uma mágika de Morte, para Morte, e sobre Morte, que apenas tomou forma e surgiu quando minha esposa foi arrancada de mim – logo, meu Avatar, esta fagulha essencial da minha magika, manifesta-se para mim, na maior parte do tempo, como minha esposa. Eu tenho consciência de que não trata-se dela, realmente – e assim que tive essa consciẽncia, ele passou a se manifestar, raramente, em outras formas, como figuras e divindades antigas associadas à Morte… Mas sua presença é confortante, e lembra-me do motivo pelo qual durmo três horas por noite.


[…]


Lembra-se da frase no começo de tudo isso?


A live body and a dead body contain the same number of particles. Structurally, there's no discernible difference. Life and death are unquantifiable abstracts.”


Ela está, é claro, parcialmente correta. Um corpo vivo e um corpo morto realmente contém o mesmo número de partículas. Mas sua verdade vai até aí, e não mais. Se existe uma grande realidade que a Magika expõe é o fato de que absolutamente tudo que nos cerca é quantificável e manipulável, e que, para o observador atento e o estudioso esforçado, não existe processo que não seja desmistificável. Se você estiver disposto a olhar, você vai ver – e eu vi. Eu pude ver a alma deixar células em um nível bioquímico. Eu vi onde o Divino cruza-se com o Mundano, e habito na intersecção.
Tudo é quantificável, caro leitor. Tudo é manipulável. Com tempo e paciência, pode-se decodificar o canto dos anjos, destilar a essência dos céus e preencher frascos com a mais pura fibra primordial da realidade. Com interesse e foco, percebe-se que até mesmo o grande e frio vácuo existencial da Morte, o arauto do maior medo que o homem é capaz de ter, obedece regras. E se você conhece as regras…
  

Tudo é quantificável, caro leitor. Tudo é manipulável. Inclusive eu, inclusive você. 
Dr. Faust West
Dr. Faust West

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